domingo, 17 de fevereiro de 2008

UMA HORA SEM CELULAR

Proponho um desafio difícil: fique uma hora sem celular. Usuários do aparelhinho que os deixa ligados o tempo todo não estão prontos para tal sacrifício. Não vão querer desconectar-se, mesmo que seja por um período de apenas sessenta minutos. Exagero? Não. Muitos dos meus alunos são incapazes de tal gesto durante as aulas. Essa incapacidade vem sendo observada em cinemas, teatros, elevadores e até igrejas.
Dia quatro último, em sua coluna na Folha, Ruy Castro nota que dentro de um mês teremos um celular para cada dois habitantes da Terra. Ao dar tal notícia, Castro revela certo otimismo ao observar que "de cada duas pessoas no planeta, restará uma que não sente ânsias de comunicação o tempo todo, não aceita ficar disponível 24 horas por dia, e não corre o risco de constranger os artistas deixando seu aparelho tocar no meio da platéia do Teatro Municipal". Mais à frente, o autor confessa que tal otimismo não está bem fundamentado, pois, logo após o empate entre os com e os sem celular, os primeiros começarão a ser maioria, uma vez que o ingresso de celulares no mercado continuará a crescer.
A ânsia comunicativa dos usuários de celular é um fenômeno relativamente novo. Há uns vinte anos ninguém sentia falta de uma ligação contínua. Hoje muita gente sequer pensa em separar-se do aparelhinho por alguns instantes. O novo hábito é objeto de muitas histórias folclóricas. Mas a ênfase em episódios engraçados ou ridículos acaba escondendo o principal: os usos do celular em nossa sociedade desqualificaram muitas outras formas de comunicação humana. Isso tem implicações éticas e educacionais importantes. Quando dão preferência a uma chamada no celular durante um papo num café, amigos nossos reclassificam as relações de amizade.
Não vou examinar situações em que a prioridade concedida a chamadas do celular sinaliza mudanças de significado em encontros humanos. Para encerrar, vou apenas revelar algumas das situações que me deixam irritado por serem extremamente mal educadas:
Atender ao celular, num elevador cheio de gente, e conversar livremente com o parceiro ou a parceira sobre a "ficada" de ontem.
Falar baixinho ao celular durante uma aula, possivelmente achando que os sussurros comunicativos não vão perturbar professor e colegas.
Colocar o aparelhinho ligado em lugar de destaque sobre a mesa onde será servido o jantar num restaurante bem transado.
Usar o aparelhinho durante caminhada num parque nas primeiras horas da manhã.

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